A situação mais terrível que passei em minha vida, foi há 9
anos. Eu admito, era apenas um menino estúpido da 2ª série, não sabia quanto
sofrimento e coisas terríveis existiam nesse mundo.
Mas esta história não é sobre mim. É sobre uma menina que
conheci em minha escola. Nós a chamávamos de “Jill”. Eu não a conhecia muito
bem, era muito quieta – quase nunca falava em sala de aula, roía muito as unhas
e sempre tinha cabelo cobrindo seu rosto.
Ela parecia estar sempre enojada ou com uma expressão
indiferente. Mas, talvez, o mais estranho dela eram seus olhos. Eram de um azul
pálido e eram fundos, sempre tinham um olhar muito triste ou frio, como se ela
estivesse sonâmbula ou como se tivesse acabado de chorar. As coisas começaram a
ficar tenebrosas com a chegada de novembro. As férias estavam quase chegando,
assim, a maioria dos estudantes (incluindo eu), estávamos contando os dias para
sair. Eu estava na aula de história, lendo um capítulo lá de 1800, quando um
ruído me distraiu. Parecia que alguém estava gemendo, mas era um som muito
leve.
Olhei para trás da minha carteira e vi Jill, que estava
dormindo. Seu nariz estava ressoando e parecia que ela apertava a boca com
força. Tratei de ser uma boa pessoa e a sacudi de leve, para que acordasse
antes que o professor a visse. Foi quando ela acordou de forma muito estranha,
com os olhos se abrindo repentinamente e com uma respiração pesada. Perguntei
se ela havia tido um pesadelo, e como resposta, ela apenas balançou a cabeça
negativamente e voltou a ler o livro que estava lendo antes de cair no sono.
Pensei que era algo esquisito, mas foi depois de algumas horas que as coisas
ficaram esquisitas de verdade. Tive apenas poucas horas de aula com Jill, então
não a vi até horas depois. Minha professora de ciências me enviou à secretaria
para tirar cópias de uma folha de trabalho, pois tinha esquecido de tirar no
dia anterior. Quando estava a caminho, tudo parecia fora de lugar. As pessoas
que eu precisava encontrar não estavam e a enfermaria estava completamente
fechada.
A curiosidade me fez caminhar até a porta da enfermaria, e
coloquei a orelha na porta. Isso foi o que pude escutar:
“Por que ninguém além de mim pode ouvi-los?”
“Escute, ninguém está lhe dizendo nada, você precisa
dormir.”
“Não! Se eu fechar os olhos, eles vão me encontrar!”
“Por favor, pare de gritar, não faça escândalo.”
Essa curta conversa foi seguida gritos e prantos. Tirei a
orelha da porta e dei alguns passos para trás. A única coisa que pensei foi:
“Que diabos está acontecendo ali?”. Logo depois, a maçaneta da porta começou a
girar, como se estivesse fechada e alguém quisesse sair com desespero. Após
alguns segundos, Jill saiu da sala.
Seu rosto estava sombrio e seus olhos estavam vermelhos,
como se estivesse chorando, que é o que provavelmente estava acontecendo.
Correu em direção a mim, fazendo com que nos batêssemos e caíssemos no chão.
“Me ajude…” ela disse. Parecia que ela queria gritar, mas sua voz era fraca.
“Por favor me ajude… Você pode escutá-los?” me perguntou.
Mas, por mais que eu quisesse responder, estava muito assustado. Seus olhos não
pareciam tristes ou sonolentos, mas eu via neles o limite da loucura.
Eu não consegui dizer nada, então ela levantou e correu para
longe da secretaria, em direção ao refeitório. A essa hora, estava vazio. Ela
caiu de joelhos no chão segurando a cabeça e gritando… Apenas gritando. Me
aproximei para tentar ajudar, mas num movimento rápido ela pegou uma caneta que
eu levava na mão e a enterrou no próprio ouvido, e depois no outro. Ela começou
a sangrar, e largou a caneta no chão. Ficou quieta por alguns minutos, apenas
respirando. Então, virou a cabeça lentamente em minha direção, lançou um olhar
de desespero para mim e sussurrou “Eu ainda os escuto…”
Depois desse dia, nunca mais vi a Jill. Boatos dizem que ela
foi para um manicômio, que cometeu suicídio e coisas afins. Eu nunca saberei
qual foi o destino que ela tomou, mas se há algo que jamais sairá da minha
memória, são aqueles olhos azuis, pálidos e fundos, olhando para mim. Seus
olhos estavam envoltos na loucura, e seus ouvidos, mesmo com os tímpanos
rompidos, ainda podiam ouvir as vozes que a torturavam.
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